Como se manifesta

Aparelho Respiratório

Os pulmões à nascença são normais, mas as perturbações respiratórias podem desenvolver-se em qualquer momento a partir do nascimento. As secreções brônquicas espessas obstruem, finalmente, as vias respiratórias inferiores, causando a sua inflamação.

À medida que a doença avança, as paredes brônquicas ficam mais espessas, as vias respiratórias enchem-se de secreções infectadas, algumas zonas do pulmão contraem-se (uma doença denominada atelectasia). Todas estas alterações reduzem a capacidade do pulmão para transferir o oxigénio para o sangue

As principais manifestações incluem tosse persistente, seca de inicio e posteriormente com broncorreia abundante, sendo as secreções espessas e viscosas. À medida que a doença progride a capacidade de esforço diminui e aumenta a dispneia, surge hipocratismo digital (há que ter em conta que este sintoma é frequente na idade pediátrica). A obstrução das vias respiratórias leva a uma hiperinsuflação pulmonar, que pode condicionar a forma da caixa torácica, com cifose e aumento do diâmetro ântero-posterior. Com o aumento da idade e da hiperinsuflação inicia o engrossamento peribrônquico e impactações mucóides.

Estes doentes desenvolvem um quadro obstrutivo, com aumento do volume residual e redução do fluxo expiratório. Numa fase tardia, ocorre hipercapnia, que conjuntamente com a hipoxia crónica levam ao desenvolvimento de hipertensão pulmonar. Cerca de 90-100% dos doentes com FQ desenvolvem sinusite crónica, e 10-32% ocorre polipose nasal mais ou menos exuberante.

Existem diversas bactérias conhecidas características da doença. As colonizações bacterianas pelo Staphylococcus aureos, Haemophilus influenza e Streptococcus pneumoniae são frequentes nas crianças. Só mais tarde surge a Pseudomonas aeruginosa, que frequentemente coexiste com o Staphylococcus aureos.

Mais de 80% dos adultos estão afectados pela Pseudomonas aeruginosa, após colonizados cronicamente é quase impossível a erradicação. O uso repetido de antibióticos e têm vindo a ser descritos novos micro organismos multiresistentes como o Burkolderia cepacia, o Achromobacter xylosoxidans e a Stenotrophomonas maltophilia, fungos com a Aspergillus fumigatus e microbactérias atípicas.

Pneumotorax, hemoptises e aspergilose broncopulmonar alérgica são as complicações pulmonares não infecciosas mais recorrentes.

Os adolescentes têm, frequentemente, um atraso de crescimento e da puberdade e uma diminuição da resistência física. A infecção constitui também um problema importante, como as bronquites e as pneumonias recorrentes, por exemplo, vão destruindo gradualmente os pulmões. A morte é, geralmente, consequência de uma combinação de insuficiência respiratória e cardíaca causadas pela doença pulmonar subjacente.

Aparelho Digestivo

Doença pancreática

A lesão no pâncreas começa na vida intra-uterina, provocando a insuficiência pancreática exócrina (IPE), geralmente é perceptível no primeiro ano de vida. Para os sintomas da IPE ocorrerem é necessário que a secreção pancreática seja inferior a 98% e são eles a esteatorreia, emagrecimento, distensão abdominal, malnutrição e hipovitaminose (vitaminas lipossoluveis A, D, E, K). O prolapso rectal procedido da esteatorreia ocorre em 20% dos doentes. A pancreatite aguda é mais frequente nos doentes com suficiência pancreática, sendo a sua frequência de 0,5%.

A elastase fecal é o método de eleição para diagnóstico e estudo pancreático. Outra forma de avaliação é a ecografia, quando se analisa o envolvimento pancreático. Cerca 70-100% dos doentes apresentam alterações, nomeadamente diminuição do volume, calcificações, quistos, e aumento da ecogenecidade.

Todos os doentes com IPE, com mais de 10 anos, devem realizar anualmente uma avaliação ao metabolismo da glicose, visto que a intolerância à glicose e a diabetes são complicações com prevalência 100 vezes superior relativamente à população geral. Esta complicação aparece entre os 18-21 anos e está associada ao aumento da morbilidade e mortalidade.

A diabetes relativa à Fibrose Quística é a forma mais frequente da diabetes não auto-imune. Os primeiros sintomas são a incapacidade de aumento de peso e agravamento da função pulmonar.

Doença gastrointestinal

O crescimento destas crianças é lento apesar de um apetite normal ou grande, geralmente apresentam um aspecto emagrecido com os músculos hipotónicos. O refluxo gastroesofágico (incidência superior do que na população normal), e o sindroma de obstrução do intestino distal (SOID), são as complicações do foro gastrointestinal.

O refluxo gastroesofágico pode influenciar negativamente a função pulmonar, sendo por isso o seu diagnóstico fundamental. O SOID vulgarmente está associado a genótipos de pior prognóstico, com doença pulmonar grave. O mecónio pode também formar tampões no intestino grosso ou no ânus, causando uma obstrução temporária.

Os RN que apresentam SOID desenvolvem quase sempre outros sintomas de Fibrose Quística mais tarde. Um diagnóstico e tratamento precoce são essenciais de forma a evitar a cirurgia. O primeiro sinal da FQ nestas crianças que não tem o SOID, é a má evolução ponderal nas 4 ou 6 primeiras semanas. Causada pela deficiência de tripsina, amilase e lipase, retidas pelos ductos pancreáticos, impede a degradação e absorção de proteínas e lípidos, e ainda das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K).

O défice destas vitaminas pode provocar cegueira nocturna, raquitismo, anemia e perturbações hemorrágicas. Em 20 % das crianças que não recebem tratamento podem sofrer prolapso rectal. Os lactentes que foram alimentados com uma fórmula proteica de soja ou de leite materno podem desenvolver anemia e enfarte agudo do miocárdio devido a não estar a absorver proteínas suficientes.

Doença hepato-biliar

A hapatopatia é na sua maioria assintomática, mas é a segunda causa de morte, logo a seguir às complicações cardíacas. Cerca de 17% das crianças com FQ apresentam hepatopatia significativa, condicionando a longo prazo o aparecimento de fibrose biliar focal e cirrose multibular.

Esta cirrose pode provocar um aumento da pressão nas veias que chegam ao fígado (hipertensão portal), conduzindo a uma dilatação das veias da extremidade inferior do esófago (varizes esofágicas). Esta alteração faz com que as veias possam romper-se e sangrar copiosamente. Os critérios de diagnóstico mais aceites são 2 das seguintes alterações, em duas consultas consecutivas, um espaço de um ano: hepatomegalia (> 2cm do rebordo costal direito), confirmada por ecografia, aumenta da TGO, TGP e gama-GT e alteração do padrão ecográfico.

Infertilidade

Os homens com FQ manifestam problemas de fertilidade (97%), apresentando agenesia do ducto deferente (ADD) bilateral, provocando numa azoospermia obstrutiva. A ADD é considerada um sintoma que por si só obriga o despiste de FQ. Foram descritos fenótipos que vão desde a normalidade, alterações das características do esperma, atrofia ou agenesia das vesículas seminais e encurtamento do epidídimo, até à ausência bilateral do ducto deferente. Hoje, com as novas técnicas de fertilização é possível paternidade, atingido taxas de 37-48%.

No sexo feminino a gravidade e a importâncias das repercussões altera significativamente. Um aspecto importante é a inexistência de maior fluidez do muco uterino durante a ovulação, podendo provocar uma diminuição da fertilidade, sem outras alterações significativas no restante sistema reprodutor. Há que ter em conta as alterações associadas à gravidez, enquanto numa mulher saudável todas as variações são bem toleradas, numa mulher com FQ, o consumo de O2, o maior débito cardíaco, a hiperventilação e o aumento das secreções pode contribuir para o aumento da dispneia, exacerbações infecciosas e atelectasias.

A probabilidade da gravidez ser bem sucedida ronda os 70-80%. Os estudo divergem quanto à influência da gravidez na FQ, na opinião geral e a experiência existente considera-se que nas doentes estáveis a gravidez em pouco modifica a evolução e prognóstico da doença.

Alterações musculo-esqueléticas

A administração de glucocorticóides, o baixo índice de massa corporal, a hipovitaminose D, a alteração da absorção de cálcio, a infecções respiratórias e a deterioração da função respiratória são factores que contribuem para doenças ósseas e articulares. Crianças e adultos com diagnóstico de FQ devem realizar um densiometria óssea de rastreio, com repetição de 2-5 anos.

O tratamento baseia-se no exercício físico, consumo de produtos lácteos, exposição ao sol, suplementos de cálcio e vitamina D, e administração de AINE aquando de dor articular, inflamação, hipersensibilidade e limitação dos movimentos.